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D'Alma - Tributo a Aristides de Sousa Mendes
A exposição na sede da ONU, intitulada "Beyond Duty" (“Além do dever”), prestou tributo ao português Aristides de Sousa Mendes e a outros sete diplomatas internacionais, considerados "Justos Entre as Nações" pelo Centro Mundial de Memória do Holocausto, Yad Vashem, por terem ajudado a salvar milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
António Guterres lembrou que todos devem estar alerta depois de ataques recentes à comunidade judaica. «O horror do Holocausto não chega para matar este tipo de expressões de ódio, de racismo, de violência e temos de estar alerta e temos de fazer de tudo para que triunfem os valores de tolerância, do respeito mútuo, de convivência pacífica entre comunidades, entre grupos humanos, entre civilizações, porque só assim o mundo pode viver em paz.»
A cônsul-geral de Portugal, Maria de Fátima Mendes, neta de um primo de Aristides de Sousa Mendes, consagrou uma homenagem pública ao longo da cerimónia, enaltecendo a «difícil escolha entre os deveres de diplomata e deveres pessoais de um ser humano», para salvar milhares de pessoas.
Mas, afinal, quem foi este homem que ousou desobedecer a Salazar?
Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu a 19 de julho de 1885 em Cabanas de Viriato, na cidade de Viseu, e faleceu a 3 de abril de 1954. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra foi, sem dúvida, um dos mais prestigiados embaixadores da diplomacia portuguesa. A sua carreira diplomática começou muito jovem e, em 1910, tornou-se cônsul de Demerara, na Guiana britânica, trabalhou, igualmente, como cônsul em Zanzibar, no Brasil (Curitiba e Porto Alegre), nos Estados Unidos (São Francisco e Boston), em Espanha (Vigo), no Luxemburgo, na Bélgica e em França (Bordéus). Casou em 1908 com a sua prima Angelina, com quem teve 14 filhos. Homem de família, que nunca se separou da sua mulher e dos seus filhos, procurou, ao longo da sua vida, proporcionar-lhes uma excelente educação até ser castigado pelo regime de Salazar.
De realçar que, no período compreendido entre os dias 16 a 23 de junho de 1940, este diplomata, desobedecendo às ordens impostas pelo ditador Salazar, e guiando-se pelos deveres da sua consciência moral interior, salvou 30 000 vidas do Holocausto, através da emissão de vistos. Isto porque, à medida que se agravava a ameaça nazi e se intensificava a perseguição, milhares de Judeus por toda a Europa juntavam-se em frente aos consulados de Portugal e de Espanha, com o objetivo de escapar a uma morte certa. Como Espanha acabou por negar os vistos aos refugiados judeus, a única esperança residia no consulado português.
A 16 de junho de 1940, o cônsul português Aristides de Sousa Mendes encontra-se com o rabino Kruger, prometendo-lhe interceder junto do governo português. Na manhã do dia 17 de junho de 1940, a ordem do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Lisboa é a de negar os vistos aos refugiados judeus. Porém, Aristides de Sousa Mendes comunica ao rabino que irá emitir os vistos, uma vez que sabia que os refugiados estavam destinados a morrer nos terríveis campos de concentração nazis.
De 17 a 19 de junho, o cônsul português trabalhou continuamente na emissão de vistos, juntamente com dois dos seus filhos, de forma absolutamente exaustiva. Ao longo desses três dias, foram emitidos 30 000 vistos, contradizendo as ordens manifestadas pelo ditador português António de Oliveira Salazar.
Os consulados portugueses de Bayonne e Hendaye chegaram a obedecer a Salazar. Contudo, Aristides de Sousa Mendes dirigiu-se, pessoalmente, a estas cidades e conseguiu que mais vistos fossem emitidos. O diplomata estava consciente das consequências pessoais e familiares das suas ações, mas, mesmo assim, preferiu seguir o seu instinto.
Foi a 24 de junho de 1940 que Aristides de Sousa Mendes recebeu um telegrama de Salazar que ordenava a sua apresentação em Lisboa, com o propósito de explicar o seu ato de desrespeito e desobediência.
Assim, Aristides foi despedido e foi-lhe negada qualquer reforma, após 30 anos de carreira diplomática. A casa da família, denominada Casa do Passal, situada em Cabanas de Viriato, em Viseu, foi devolvida ao banco e vendida como forma de liquidar as dívidas existentes.
A Associação Judaica de Lisboa assumiu, como forma de tributo, o auxilio à família de Sousa Mendes, providenciando não só alimentação, como também assistência médica e a continuação dos estudos de alguns filhos, levando-os para os Estados Unidos e para o Canadá.
Aristides de Sousa Mendes faleceu a 3 de abril de 1954, em situação de pobreza, no Hospital Franciscano de Lisboa. Acabou por ser enterrado com uma túnica franciscana por falta de roupas próprias. Até este amargo fim, Aristides de Sousa Mendes sabia que agia humanamente em nome de milhares de pessoas inocentes e defendia a sua decisão de salvar as suas vidas.
Os homens morrem, mas as obras ficam!
A Fundação Aristides de Sousa Mendes foi constituída no ano 2000 com os objetivos de divulgar o ato de consciência de Aristides e de desenvolver e executar o projeto de recuperação da casa de família de Sousa Mendes, a Casa do Passal, em Cabanas de Viriato.
A “Sousa Mendes Foundation”, com sede numa cidade americana, foi criada em 2010 por descendentes do diplomata e dos beneficiários dos vistos que passou em junho de 1940.
O museu “A Fronteira da Paz”, em Vilar Formoso, também descreve a história deste homem fascinante através dos testemunhos dos homens que salvou.
Para mais informações, consultar:
<www.centerofportugal.com/pt/vilar-formoso-a-fronteira-da-paz/>
<http://sousamendesfoundation.org/>
<http://mvasm.sapo.pt/>
<https://www.youtube.com/watch?v=6oQ5Ak5fEUc>
Ana Rita Alves e Catarina Santos, do 12.º AJ (vc)