“AUSCHWITZ SEMPRE” VII
As mulheres e o Holocausto: Coragem, Compaixão e Liderança

Beatriz Paiva, Noémia Batista e Luís Batista, do 12.º AJD (vc)
12/03/2019

Sob a dominação nazi, as mulheres, por vezes, beneficiaram dos clichés que as relegavam para os domínios da maternidade, do cuidado do lar e do apego à religião.

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O estereótipo da esposa passiva e caseira, dominada pelo marido, impediu, muitas vezes, que os alemães suspeitassem de mulheres “subversivas”. Pela primeira vez na História, um estereótipo favoreceu as mulheres.

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“Quem salva uma única vida salva um universo inteiro”


Dentro e fora do Gueto ou do Campo


Mais de metade das vítimas, do período que a história denominou de Holocausto, eram mulheres, e, nesta semana, entre o dia em que lembramos as vítimas de violência doméstica e o Dia Internacional da Mulher, nelas homenageamos todas as que, atualmente, por esse mundo fora pejado de conflitos, lutam pela defesa dos velhos e das crianças que a guerra deixa para trás.


Durante o Holocausto, o preço que tiveram de pagar pela sua ação variou entre o encarceramento nos campos de concentração e a execução nas câmaras de gás. Muitas das que decidiram acolher judeus, ciganos e outros perseguidos também tiveram de sacrificar as suas vidas normais e embarcar numa existência clandestina governada pelo pavor da denúncia e da captura. Num mundo em colapso, uma pequena minoria de mulheres, reconhecidas como cuidadoras dos outros, alicerçadas na compaixão, dedicação e coragem indispensáveis para a defesa dos valores humanos, resistiram e foram chamadas a ajudar e a cuidar, arriscando, escondendo vizinhos e desconhecidos. Enfrentaram enormes riscos para socorrer os outros, contrabandeando alimentos, servindo como informadoras, desafiando as leis e políticas nazis.


Mulheres judias e ciganas mostraram uma enorme coragem durante o Holocausto. Para além de forçadas a sair das suas casas, com poucos pertences, amontoadas nos guetos, sob uma constante ameaça de prisão e deportação, e sujeitas a todas as formas possíveis de humilhação e abuso, tiveram de reunir coragem para enfrentar os perseguidores nazis e, de alguma forma, tentar sobreviver.


Além disso, as mulheres judias, que muitas vezes contactavam com vizinhos considerados “não-judeus” e, portanto, estavam um pouco mais familiarizadas com os costumes cristãos, assumiam uma identidade falsa que lhes permitia desempenhar um papel importante em várias atividades de resistência. Esse foi, especialmente, o caso daquelas que se envolveram em movimentos juvenis socialistas, comunistas e nacionalistas. Desenvolveram, também, um papel importante na resistência francesa (e franco-judaica). Algumas eram líderes ou membros de organizações de resistência ao gueto. Outras envolveram-se na resistência dentro dos campos de concentração.


No Judenrat, conselho judaico instalado pelos nazis nos guetos e, posteriormente, nos campos de concentração, com o intuito de garantir que as suas ordens e regulamentos eram cumpridos, muitas mulheres assumiram o papel de liderança que, tradicionalmente, era ocupado pelos homens. Todas essas mulheres inspiraram as comunidades em que se inseriam, deram força e esperança num momento em que tal era crucial, lideravam grupos comunitários e sociais, administravam cozinhas e infantários para crianças, procurando aliviar o sofrimento diário.


Rosa Szabad-Gabronska, médica membro do Vilna Judenrat, coordenou o cuidado de crianças e, inclusive, por iniciativa própria, criou um infantário, onde aquelas eram alimentadas, recebiam assistência médica e brincavam até os pais retornarem do trabalho forçado. Foi assassinada no campo de concentração de Majdanek, na Polónia.


As mulheres reuniram, ainda, esforços para organizar atividades culturais com o objetivo de motivar e promover o senso comunitário. Neste tempo de escuridão que abrangia todos, havia a necessidade de utilizar meios artísticos, como a arte, a música e as atuações dramáticas para proporcionar um certo alívio relativamente à ansiedade persistente e ao desespero. Vava Schoenova (Nava Schaan) era uma famosa atriz de teatro em Praga antes da guerra. Em julho de 1942, foi deportada para o gueto de Terezin, onde continuou a realizar teatro para crianças e jovens.


Cecilia Slepak, jornalista encarregue da realização de pesquisas sobre as mulheres judias que viviam no gueto de Varsóvia, durante o inverno e a primavera de 1942, forneceu uma descrição única das estratégias que as mulheres adotavam para lidar com os perigos crescentes que iam aparecendo, dando a conhecer a forma como lidavam perante a acomodação, o desafio e a resistência.


De acordo com as informações extraídas de milhares de testemunhos da Fundação Shoah, tornou-se também evidente que, como em quase todos os conflitos ao longo dos séculos XX e XXI, as mulheres sofreram violência sexual durante o Holocausto, com o objetivo de:
Subjugar: porque, na sua missão de aniquilar o povo judeu, os nazis subjugaram o inimigo por meio da fome e do trabalho escravo; contudo, as mulheres judias foram também subjugadas ao nível sexual: estupradas, sexualmente humilhadas e destruídas corporalmente;
De limpeza étnica: o Holocausto foi um esforço para aniquilar completamente os judeus e outros grupos de pessoas selecionados ideologicamente. Neste caso, a violação não só transformou as mulheres num alvo a abater, como funcionou como impedimento para que usem os seus corpos, destruídos, como os meios de reprodução do seu povo. O objetivo era preencher “ventres inferiores” com esperma “superior” ou forçar abortos e esterilizações sempre objeto de curiosidade científica;


De exercício de poder: algumas mulheres foram forçadas a aceitar o estupro como um pagamento para receber comida ou abrigo, ou para salvarem os seus filhos, em campos de concentração ou guetos sob o controle nazi;


De humilhação: as mulheres eram forçadas a despirem-se à frente dos soldados, a permanecerem nuas durante horas nas linhas de desinfeção onde eram chicoteadas. Uma das maiores humilhações para uma mulher era ter o seu cabelo rapado, não apenas na cabeça, mas em todo o seu corpo. Muitas destas violações ocorreram em frente de parentes durante as invasões forçadas de residências ou nos campos de prisioneiros. Num “show” em Auschwitz-Birkenau, soldados alemães estupraram 20 mulheres na frente de um grupo de trabalho, que foi obrigado a permanecer de pé e a aplaudir.


Algumas mulheres sobreviveram ao Holocausto para contar histórias notáveis de heroísmo, determinação e coragem. No entanto, a maioria foi assassinada pelos nazis, mas as suas histórias de resistência tornaram-se o seu legado.


Cabe-nos a todos nós homenagear e perpetuar a sua memória, sem esquecer que, em 2019, milhões de mulheres precisam da nossa voz para falar!



Beatriz Paiva, Noémia Batista e Luís Batista, do 12.º AJD (vc)

 

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