Carvalhos, 23 de janeiro de 2020
Querida Anne,
Parece que o que passaste não serviu de grande lição para a Humanidade. Imagina só isto: um mundo onde não existissem homens capazes de traumatizar crianças para o seu resto de vida. Um mundo onde houvesse consenso, onde se aceitasse todas as diferenças como uma coisa boa e enriquecedora. Um mundo onde as religiões pudessem ser aceites e respeitadas sem serem alvo de discriminação. “Fixe”, não era?
E tu escreveste
“Acredito que, no correr do próximo século, a ideia de que é dever da mulher ter filhos mudará, e abrirá caminho para o respeito e admiração a todas as mulheres, que carregam seus fardos sem reclamar.” (In “diário de Anne Frank”)
Pois bem, não é isso que está a acontecer na subdesenvolvida África, principalmente num país chamado Nigéria. Sabias que, desde 2009, existem mais de 2,6 milhões de deslocados, entre os quais milhares são crianças? E imaginas o porquê de isto acontecer? Não te passa pela cabeça, mas vou contar- te: todas estas crianças são vítimas de um grupo terrorista islâmico porque andam numa escola que promove a educação ocidental. Absurdo, não?
“Quando pensamos no próximo, devíamos chorar.” (In “diário de Anne Frank”)
É impossível não nos sentirmos assim quando meninas são raptadas, violadas, vendidas, prostituídas, escravizadas sexualmente e transformadas em crianças-soldado porque, de acordo com a mentalidade dos membros do Boko Haram, a educação ocidental é um pecado e, por isso, todos os seus praticantes devem ser erradicados.
Desde que foste levada pelos energúmenos que iniciaram a Segunda Guerra Mundial, muitas atrocidades foram cometidas contra os Direitos das crianças. Somente após o fim do segundo conflito mundial que marcou o século XX é que começaram a surgir as famigeradas “Declarações”. Declarações que têm artigos cujo intuito é proteger crianças inocentes, que não têm força para lutarem sozinhas. Mas achas que estão a ter algum efeito? Claro que não! Basta ver as atrocidades a que estas crianças estão sujeitas há várias décadas.
“Escrever este diário é uma experiência realmente estranha para uma pessoa como eu. Não só porque nunca escrevi nada antes, mas também porque me parece que, mais tarde, nem eu nem ninguém estará interessado nos desvaneios de uma rapariga de 13 anos.” (In “diário de Anne Frank”)
Mas todo o mundo leu, podes acreditar.
Não sei se já te tinha referido, mas o teu diário é, provavelmente, o livro mais traduzido no mundo, a seguir à Bíblia, imagina só! E isso significa que soubemos por ti o que sofreram as crianças como tu, e os governantes prometeram que tal não se repetiria. São as tais Declarações!
Apresento-te Abubakar Shekau e qual é a diferença entre Hitler e Abubakar Shekau? Nenhuma. São homens capazes de destruir comunidades simplesmente por não concordarem com o que eles preconizam para o Mundo.
Já imaginaste o que é estares na sala de aula e, de repente, entrarem exércitos armados prontos a arrancarem-te do teu lugar no Mundo e a levarem- te para longe de tudo o que já conheceste? De te levarem para longe da tua família por tempo indeterminado?
Desculpa, claro que mais do que imaginaste até experienciaste!
São realidades como estas que nos fazem ficar dilacerados com a crueldade do ser humano. Julgo não ser uma surpresa para ti, mas seria de esperar que conseguíssemos evoluir. O que os fará parar?
“Não fazemos ideia de como as coisas mudam até que a mudança tenha acontecido.” (In “diário de Anne Frank”)
Quero tanto acreditar nessa mudança que tu não viste. Felizmente ainda existem instituições capazes de dar voz àquelas meninas, como é o caso da Amnistia Internacional que pressionou o Tribunal Penal Internacional, em Haia, a abrir uma investigação na Nigéria. Teremos de esperar para ver no que isto resultará.
Tenho a certeza de que terias vergonha do Mundo que deixaste. O que o mundo viveu no período das Guerras não deveria voltar a acontecer. Devia ficar ancorado no passado e recordado como um genocídio lembrado, porém, nunca esquecido.
“Nunca mais me recuarei diante da verdade, pois quanto mais tardamos a dizê-la mais difícil se torna aos outros ouvi-la.” (In “diário de Anne Frank”)
Por isso, conta comigo, pois prometo erguer a minha voz contra a violação dos Direitos das Crianças, tal como tu fizeste!
Com amor,
Margarida
PS: Agora para ti que estás a ler isto: se ainda não te chocou o que leste, podes sempre ver o testemunho de Yana Galang, mãe de Rifkatu, uma das 276 estudantes que foram raptadas pelo Boko Haram em 2014, numa escola na cidade de Chibok. Cinco anos depois, Rifkatu e mais de 100 meninas ainda não foram devolvidas às suas famílias.
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