“(…) E se Abril foi o nosso amanhecer democrático, a “madrugada” da nossa democracia, então Novembro foi, efetivamente, o “dia inteiro e limpo” do novo regime (…)”.
Sophia de Mello Breyner (adaptado)
Portugal conheceu primordialmente a vertente democrática com a Revolução de 25 de Abril de 1974, mas o clima que se sucedeu após este golpe não trouxe, de imediato, a esperança tão almejada pelos portugueses. O período subsequente foi marcado por acentuada instabilidade política, identificável em momentos-chave como o 28 de setembro de 1974 e o 11 de março de 1975, e pelo descontentamento social, com bombardeamentos no Norte e no Centro do país, e alvoroço constante nas ruas.
Neste contexto, os órgãos criados após o 25 de Abril, nomeadamente a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado, foram substituídos pelo Conselho da Revolução, liderado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Iniciou-se, então, uma política de nacionalizações nos diversos setores económicos, assemelhando-se ao modelo soviético, que visava difundir o comunismo.
Após a implementação destas medidas, evidenciou-se uma fação de esquerda radical dentro do MFA que contrastava com os princípios originais do Movimento que não tinha uma conotação política e cujos objetivos eram a devolução do poder ao povo através das eleições. Contudo, este grupo extremista pretendia manter-se no poder substituindo a anterior ditadura por uma ditadura militar e implementar o comunismo em Portugal, o que resultou em inúmeros e intensos confrontos entre os radicais e os moderados.
À época, o mundo vivia o clima de guerra fria criado pela hegemonia dividida entre os Estados Unidos da América e a União Soviética. Portugal era membro da NATO aliado do Bloco Ocidental e estrategicamente importante para ambos. A perspetiva de viragem à esquerda com consequente alinhamento ao Bloco Soviético suscitou reação por parte dos EUA através do seu embaixador Frank Carlucci que, em pleno período revolucionário, viria a seguir de perto o Verão Quente de 75, acompanhando o percurso de políticos como Mário Soares, com quem estabelece uma relação de amizade. Na perspetiva de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá, autores do livro “Carlucci “vs”. Kissinger – Os EUA e a Revolução Portuguesa”, Carlucci desempenhou um papel fulcral, sendo que, nas suas palavras, “a ação da América acabou mesmo por contribuir para a vitória das forças democráticas.”
Em consequência desta tensão entre os dois grupos de militares de Abril, sucedeu, no dia 25 de novembro de 1975, um Golpe de Estado levado a cabo por elementos militares mais próximos da esquerda radical, que tomaram pontos estratégicos da capital, apoiados por população descontente incitada pelo partido comunista. O Presidente da República de então, marechal Costa Gomes, que havia assumido a Presidência da República por indicação da Junta de Salvação Nacional, devido à demissão do general Spínola a 30 de setembro de 1974, ao ser avisado do sucedido, procurou, a partir do Palácio de Belém, negociar com todas as frentes para evitar um confronto que poderia ter arrastado o país para uma guerra civil.
Foi então decretado o estado de sítio em Lisboa, figura jurídica que configura um estado de exceção ao regime constitucional vigente, permitindo a suspensão de certos direitos fundamentais com o fim de restaurar a ordem pública. Graças a este, as forças fiéis à presidência, sob o comando do general Ramalho Eanes, conseguiram neutralizar o Processo Revolucionário em Curso (PREC).
Após ser decretado o estado de sítio, o Grupo dos 9 - conjunto de oficiais moderados do MFA - desempenhou um papel crucial na desmobilização da população, evitando a possível distribuição de armas e o arrastamento, quase inevitável, para uma guerra civil. O Grupo foi ainda responsável pela redação do “Documento dos Nove”, que propunha uma terceira via para Portugal, rejeitando tanto o modelo socialista da Europa de Leste como o modelo social-democrata da Europa Ocidental. Defendiam, portanto, um projeto socialista alternativo que preservasse os valores de uma democracia política e pluralista, baseada nas liberdades, direitos e garantias fundamentais.
“(…) E se abril foi o nosso amanhecer democrático, a “madrugada” da nossa democracia, então novembro foi, efetivamente, o “dia inteiro e limpo” do novo regime (…)” (Sophia de Mello Breyner - adaptado) com o controlo da população civil, a neutralização do PREC e o regresso dos militares ao espírito que assumiram com a Revolução dos Cravos.
Nas palavras do general Ramalho Eanes, 16.º presidente da República e o primeiro democraticamente eleito após a Revolução de 25 de Abril de 1974, durante uma aula-debate sobre o 25 de Abril, “(...) podia ter levado a uma guerra civil e foi indispensável o 25 de novembro. Repito: foi indispensável para que as promessas de honra dos militares à população fossem realizadas".
Num momento em que até os regimes Democráticos parecem esquecer, pelo discurso e pela prática, a importância da defesa dos princípios inabaláveis do respeito pelos Direitos Humanos, faz sentido recordar, sobretudo aos que fazem um uso perverso da liberdade de expressão e associação, que, no decorrer da ditadura que perdurou 48 anos em Portugal, o Estado criou um organismo de defesa público denominado PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), que exerceu as suas funções durante 30 anos.
A polícia política tinha como principal objetivo assegurar os valores do Estado Novo, mesmo que estes implicassem matar, torturar ou censurar. Um dos principais métodos e o mais utilizado era a censura, que, através do “Lápis Azul”, revia artigos, publicações de jornais e livros, reescrevendo-os de modo a passar apenas a informação que interessava ao Estado.
“A PIDE detinha poderes plenos e uma autonomia praticamente total para prender, torturar, arrancar confissões e até matar.” (retirado do doc. A-PIDE.pdf in museunacionalresistencialiberdade-peniche.gov.pt). A polícia política prendia antifascistas, comunistas, todos de quem suspeitava e os que se opunham a Salazar, num exercício de medo e repressão, que contava com a passividade dos tribunais políticos e plenários.
A PIDE detinha locais de repressão espalhados por todo o país, em território continental - Forte de Caxias, de Peniche e do Aljube; Porto e Coimbra; nos arquipélagos da Madeira e dos Açores - Angra do Heroísmo era a mais importante; no Império Português ultramarino - na Guiné, em Moçambique, em Angola, em Timor e a mais conhecida no Tarrafal, na ilha de Santiago em Cabo Verde.
Em 1975, muitas das celas das prisões políticas acima mencionadas foram encerradas, dando-se por terminadas as funções da PIDE, mas constituem lugares de memória que merecem ser visitados como um poderoso lembrete acerca da importância da valorização dos direitos e das liberdades fundamentais dos seres humanos, consagradas pelas democracias.
No passado dia 15 de novembro, faleceu Celeste Caeiro, a mulher que transformou o cravo no símbolo do 25 de Abril de 1974, garantindo que o seu legado permanecerá vivo na história e na memória de todos, pelo que cabe a cada um de nós continuar a regar as flores do jardim da nossa democracia.
Alunos do 12.º AJD