AJ Esclarece: Referendo do Aborto

Mariana Portilho e Andreia Carmo
08/03/2007

No passado dia 11 de Fevereiro, os portugueses foram chamados a pronunciar-se sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) pedida pela mulher, até às 10 semanas, desde que feita em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. O resultado foi claro: o SIM ganhou.

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Referendo do Aborto

Conforme o disposto no artº3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição, sendo uma delas o referendo (artº115 da CRP) sob proposta dos grupos parlamentares (artº167 – 1º da CRP).

No passado dia 11 de Fevereiro, os portugueses foram chamados a pronunciar-se sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) pedida pela mulher, até às 10 semanas, desde que feita em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. O resultado foi claro: o SIM ganhou.

Mas ainda não há legislação, e por isso surge-nos a dúvida: o que poderá acontecer às mulheres que façam hoje, IVG? Para o desembargador Eurico Reis “se o povo manifestou a sua vontade processos contra as mulheres que fizeram o aborto até às 10 semanas nem sequer devem ser iniciados” tal como a opinião de alguns médicos.

António Cluny, presidente do sindicato dos Magistrados do Ministério Público, discorda “enquanto não houver uma nova lei tudo se passa como até aqui. A lei não mudou …”.

Todavia, antes mesmo de haver lei, as clínicas especializadas vão instalar-se em Portugal.

Devido à inexistência de legislação e ao facto de o referendo não ser vinculativo, os profissionais de saúde poderão recusar-se a realizar abortos, tanto agora como no futuro.

Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos disse que não há necessidade de mudar o código deontológico, porque a lei tem um valor superior a este, por outro lado, Rui Nunes, Presidente da Associação Portuguesa da Bioética pensa que “as regras éticas têm de estar adequadas às novas formulações sociais”.

O PS pretende que as alterações ao Código Penal sejam aprovadas até ao fim do corrente mês, Março, no Parlamento, para futura promulgação pelo Presidente.

José Sócrates reservou para si o processo de redacção da lei em parceria com o líder Parlamentar do PS, Alberto Martins “por ser mais rápido” a partir de Abril.

Até agora, pouco se conhece dos pormenores da futura lei, mas as mulheres com intenção de aborto terão de passar por consulta médica, havendo depois, período de reflexão, de alguns dias.

Os movimentos do não estão a digerir mal a pesada derrota sofrida no referendo e exigem, não só, que o Estado apoie as mães que não querem abortar, mas também a propagação da vacina contra o cancro do colo do útero, vigiar de perto as autênticas fontes de ilegalidade que são as clínicas privadas e definir uma estratégia para que daqui a uns anos exigir um novo referendo.

 

CURIOSIDADE

As religiões, todas as principais – cristianismo, hinduísmo, budismo, islamismo, parecem defender a supremacia da vida. Porém, cada uma toma diferentes embarcações quanto ao passado referendo dia 11 de Fevereiro:


Budismo:

Há vida desde a concepção, e matar é sempre acto negativo. Porém, “Sua Santidade Dalai Lama entende que a decisão de interromper uma gravidez deve ser deixada à consciência da mãe, desde que a motivação não seja apenas libertar-se de um incómodo nem pensar exclusivamente no conforto”.

- Quando a mulher é violada “é consequência de um acto negativo que praticou antes, nesta ou noutra existência anterior. Porque nada acontece por acaso”.

- No caso da mãe correr perigo de vida com a gravidez: é admissível que tente salvar-se, “desde que a sua existência seja posta ao serviço dos outros”. Abortar, mesmo neste caso, torna-se acto negativo, se a mãe apenas quer egoisticamente prolongar a sua vida.

- No aborto separa-se o corpo da mente do feto, pelo que a sua mente vai para um estado intermédio, chamado Bardo que é um intervalo entre duas existências, e renasce sete semanas mais tarde, não obrigatoriamente como ser humano.

- Não há punição religiosa para a prática do aborto, mas terá efeitos kármicos para todas as partes envolvidas, “mais cedo ou mais tarde sofrem-se as consequências.”

- A procriação não é dever, “dever é evoluir espiritualmente o mais possível, para seu bem e o dos outros”. Dalai Lama aconselha também o uso da contracepção.

 

Catolicismo:

O aborto contraria o mandamento “não matarás” que é uma regra absoluta. “Uma mulher que engravida recebe um dom” e a vida desse ser humano não deve estar condicionada por condições de oportunidade ou interesse. Por isso a posição da Igreja é “pela total proibição do aborto”e para a mulher que aborta, a excomunhão é automática.

- Se a gravidez põe em causa a sobrevivência da mãe “há duas vidas em jogo, em equilíbrio na balança, a mulher deve ter inteira liberdade para decidir”.

- A procriação é um dever: “a vida do casal é um valor que se abre para a dimensão de gerar vida e isso é um bem para a sociedade”, mas não é uma necessidade absoluta, há sempre a possibilidade de dedicar a vida a Deus.

- Os métodos contraceptivos vão contra a lei natural, mas é uma questão ainda em discussão teológica.

 

Judaísmo:

O judaísmo não tem posição única em relação ao aborto: não o proíbe radicalmente nem o permite de forma indiscriminada. No entanto, quando a gravidez põe em risco a vida da mãe, o aborto não e só permitido como obrigatório.

- A legislação de Israel tem em conta os factores físicos e psíquicos da mãe, as malformações do feto, os casos de adultério, incesto ou violação, a idade da progenitora abaixo dos 18 e acima dos 40 anos. Cada caso é único e particular.

- O critério económico deixou de ser válido desde 1980, de qualquer forma, a mulher deve submeter o seu desejo a um Comité de Ética que julgue cada caso.

- O aborto por simples conveniência, sem motivos graves, é censurável, mas não há qualquer punição religiosa nem condenação penal.

- A procriação é um imperativo “Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra” (Génesis 9:1).

 

Islamismo:

- Após 120 dias da fecundação, depois do feto estar formado e receber uma alma, é ilícito abortá-lo.

- É possível optar abortar, ou não, quando a mãe corre riscos de vida.

- O planeamento familiar é permitido no Islão: “ o casal tem de ponderar muito bem se quer ter filhos ou não e quanto deseja ter. Não se justifica abortar, sem uma razão válida ou sagrada”.

 

Hinduísmo:

O Hinduísmo é a religião mais antiga do mundo, muito anterior à própria escrita.

- Logo aos primeiros cinco dias após a concepção considera-se que existe vida. Ninguém tem direito de decidir sobre a vida seja de quem for, logo, o aborto é condenável.

- Existe uma espécie de lei de causa efeito: cada indivíduo é responsável pelos maus actos que comete e acumula um peso kármico. Se comete um pecado vai pagá-lo, mais cedo ou mais tarde.

- Não existe nenhuma punição religiosa a quem aborta, pois cabe ao Supremo julgar.

- Todas as almas são sagradas e aquelas que não tiveram oportunidade de nascer, pelo aborto, passam para outro ser humano.

- O acto sexual é visto como sagrado, e se for meramente fisiológico, devem tomar-se medidas para evitar a gravidez, nomeadamente anticoncepcionais.

 

Mariana Portilho
Andreia Carmo
12º AJ
 

 

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