UM LIVRO POR SEMANA: Servidões

Sugestão de Marisa Carvalho
06/05/2019

Servidões foi a última obra publicada em vida por Herberto Helder e revela, uma vez mais, a faceta intimista e melancólica deste poeta, confrontado com a velhice e com a escassez do tempo, dois anos antes da sua morte.

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Tomando esta obra como exemplo, certamente que Herberto Helder foi um daqueles raros casos de inesgotável inovação e talento, visto que, mesmo com oitenta anos, tinha a produção poética de um rapaz que dá os seus primeiros passos na vida adulta – e com a qualidade incomparável que lhe é inerente desde O Amor em Visita (1958)!


Na verdade, é difícil explicar o que tanto me atrai neste poeta e no seu livro Servidões – se a sua linguagem lírica (que conjuga uma boa dose de erudição com o tom coloquial que nos costuma saltar da alma aos trambolhões – “não um inferninho brasileiro com menininhas de programa, / púberes putinhas das favelas, / mas o inferno complexo onde passeia a Beatriz das drogas duras,” – pág. 98), se as temáticas que escolhe abordar (a morte: “e que essas mortes uma a uma são a minha própria morte / somada erradamente” – pág. 88; a velhice: “octogenário apenas, e a morte só de pensá-lo calo,” – pág. 109; o nascimento: “saio hoje ao mundo, / cordão de sangue à volta do pescoço,” – pág. 20; o amor carnal: “no mais carnal das nádegas / as marcas / das frescas cuecas” – pág. 27) ou se a ligação que eu sinto pela sua arte: porque é fonte de inspiração e de reflexão. A única coisa que consigo positivamente afirmar é que esta viagem literária foi capaz de me dar a conhecer o meu poeta favorito. Contudo, a literatura portuguesa é extensa – e ainda mais o é a literatura mundial – e amanhã posso dar de caras com outro génio poético como Herberto Helder o foi. Ainda assim, por agora, fico-me por este grande homem que foi considerado por muitos “o maior poeta do século XX” desde Fernando Pessoa.


De facto, Herberto Helder pintou Servidões com tanta maestria e paixão como Picasso pintou Guernica (1937) ou Stanley Kubrick concebeu o filme 2001: A Space Odyssey (1968). Esta obra não só é arte na sua mais pura forma como também é uma reflexão de como todos os seres humanos são servos de fatores imutáveis da vida – a morte, a passagem do tempo, o esquecimento, a velhice, o desgosto amoroso e o falhanço.


Eu, todavia, desde que possa continuar a presenciar obras como esta, desafio a vida a sobrelotar-me com todos os seus trabalhos e servidões, porque isso não importa. Vou ser sempre livre enquanto houver arte.

 

Nome: Servidões
Autor: Herberto Helder
Editora: Assírio e Alvim
Modo/género literário: Lírico/Conjunto de poemas

 

Sugestão de leitura da aluna Marisa Rocha Carvalho, do 11.º LR

 

 

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