AJ ESCLARECE
O que dizer sobre Abstenção?

12.º AJ (via científica na disciplina de Direito)
14/10/2019

Do latim “abstentio, -onis”, abstenção significa, no contexto que nos interessa relevar, a privação ou desistência voluntária de um direito político, cívico ou social. Como Portugal é, desde 1974, uma democracia que teve, em 1975, o seu primeiro ato eleitoral livre, podemos reduzir ainda mais o significado da expressão para enfatizarmos que, de facto, 45,5% dos cidadãos portugueses optaram por DESISTIR VOLUNTARIAMENTE DE UM DIREITO POLÍTICO, CÍVICO OU SOCIAL.

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No livro "A abstenção eleitoral em Portugal", os investigadores André Freire e Pedro Magalhães explicam que a decisão de não ir votar pode ser encarada como uma opção estratégica para o eleitor mostrar o descontentamento com o funcionamento do sistema político.


Há, porém, um dado, dos muitos que analisámos, enquanto alunos de uma Escola de Valores Humanistas, que nos preocupou. Parece que a camada jovem é a que mais se abstém nos atos eleitorais, o que, a longo prazo, pode significar o alheamento ao longo de toda a vida, demitindo-se da sua função de ser humanos solidários, comprometidos, responsáveis, críticos, assertivos enfim tudo aquilo que aprenderam nos exercícios, se calhar teóricos, de cidadania nas escolas.


O facto de sermos alunos do Curso de Assessoria Jurídica e Documentação, com forte componente letiva de Literatura, História, Filosofia, Direito, leva-nos a questionar: O que dizer da (desta) abstenção para a qual (ainda) não contribuímos?


Na Literatura:

Sobre o governo do dia (1871): «Não governa, não tem ideias, não tem sistema; nada reforma, nada estabelece; está ali, é o que basta. E assim se passa, defronte de um público enojado e indiferente, esta grande farsa que se chama a intriga constitucional. Os lustres estão acesos; o país distraído; nada tem de comum com o que se representa no palco; não se interessa pelos personagens e acha-os impuros e nulos.»
In “As Farpas”, de Eça de Queirós


Na História:

A primeira vez que as mulheres foram às urnas em Portugal foi há 40 anos, nas eleições para a Assembleia Constituinte.

No entanto, em 1911, uma mulher desafiou o poder político (monopolizado pelos homens na altura) e exigiu votar para a Assembleia Constituinte nas eleições de 28 de maio. Chamava-se Carolina Beatriz Ângelo, viúva, era ginecologista, tinha nascido na Guarda e estudado na Universidade de Lisboa. A República tinha sido implantada há menos de um ano e a lei abria essa possibilidade. Nela, podia ler-se que podiam votar os «cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família.»

Depois, as mulheres tiveram de esperar 64 anos até voltar a exercer o direito ao voto porque, em 1913, o Governo alterou o texto da lei de modo a limitar o direito ao voto às mulheres. Passou a ler-se, para que dúvidas não restassem,
«São eleitores dos cargos políticos e administrativos todos os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores de 21 anos, ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português e residam no território da República Portuguesa.»


Na Filosofia:

Alguns filósofos advogam que os votos individuais fazem a diferença. «Talvez, ao votar, um eleitor tenha a probabilidade significativa de estar dentro do “conjunto causalmente eficaz” de votos ou de ser, por alguma razão, causalmente responsável pelo resultado» (Tuck, 2008; Goldman, 1999).

Nesta perspetiva, o que o eleitor valoriza não é a alteração por meio do voto individual, mas a perspetiva de ser um agente que participou na causa de diferentes resultados, ou seja, os eleitores votam porque querem ter o tipo correto de responsabilidade causal, por mais que sua influência individual seja pequena.

«Outrora, na minha juventude – escreve Platão quando tinha então 70 anos –, experimentei o que tantos jovens experimentam. Tinha o projeto de, no dia em que pudesse dispor de mim próprio, imediatamente intervir na política.»
In “A Carta VII”, de Platão


No Direito:

Em 1947, perante a Câmara dos Comuns, Winston Churchill afirmava «A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.»

Ainda que assim seja, a liberdade, o respeito dos direitos humanos e o princípio da organização de eleições honestas e periódicas são valores que constituem elementos essenciais da democracia e é essa democracia que proporciona o quadro natural para a proteção e a realização efetiva dos direitos humanos.

A ligação entre democracia e direitos humanos é claramente definida no artigo 21.º (3) da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”:

«A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.»
In artigo 21.º (3) da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”

 

«Os direitos consagrados no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e nos instrumentos subsequentes sobre os direitos humanos relacionados com os direitos de grupos (por exemplo, os povos indígenas, as minorias e as pessoas com deficiência) são também essenciais à democracia, já que garantem uma distribuição equitativa da riqueza e um acesso igual e justo aos direitos civis e políticos.


Durante vários anos, a Assembleia Geral das Nações Unidas e a antiga Comissão de Direitos Humanos procuraram utilizar os instrumentos internacionais de direitos humanos para promover uma compreensão comum dos princípios, normas, critérios e valores que constituem o fundamento da democracia, a fim de ajudar os Estados-membros a criarem tradições e instituições nacionais democráticas e a cumprirem os seus compromissos em matéria de direitos humanos, de democracia e de desenvolvimento.


Isto conduziu à adoção de várias resoluções históricas da antiga Comissão de Direitos Humanos que declarou que os elementos que se seguem eram essenciais à democracia:

  • Respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;
  • Liberdade de associação;
  • Liberdade de expressão e de opinião;
  • Acesso ao poder e ao seu exercício, de acordo com o Estado de direito;
  • Realização de eleições livres, honestas e periódicas por sufrágio universal e voto secreto, reflexo da expressão da vontade do povo;
  • Um sistema pluralista de partidos e organizações políticas;
  • Separação de poderes;
  • Independência da justiça;
  • Transparência e responsabilidade da administração pública;
  • Meios de comunicação social livres, independentes e pluralistas.


Remediar/suprir os défices democráticos

Os défices democráticos e a debilidade das instituições figuram entre os principais obstáculos ao exercício efetivo dos direitos humanos. O Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) esforça-se por superar estes problemas através dos seus serviços consultivos e do seu programa de cooperação técnica, cujo objetivo é reforçar o quadro jurídico de proteção dos direitos humanos (reforma institucional e jurídica), reforçar as capacidades, autonomizar os segmentos vulneráveis e desfavorecidos da sociedade, levar a cabo atividades de mobilização, sensibilização da opinião pública e educação em matéria de direitos humanos.


Promover uma governação democrática

O Alto Comissariado continua a promover uma governação democrática, dando apoio continuado às instituições democráticas, nomeadamente aos atores nacionais e instituições implicadas na administração da justiça, aumentando a capacidade dos parlamentares no domínio da proteção dos direitos humanos, apoiando a sociedade civil e facilitando os processos de reforço eleitoral e constitucional.


Apoiar as democracias em transição

Nas democracias em transição e nos países saídos de um conflito, o ACDH colabora com os governos e outros atores nacionais, tendo em vista enfrentar o passado, a fim de reconstruir a confiança pública e restabelecer a paz e o Estado de direito. O ACDH, que está empenhado em combater a impunidade, apoiou ativamente, durante a última década, programas de justiça de transição em mais de 20 países. O seu apoio consiste, entre outras coisas, em conseguir que os acordos de paz tomem em consideração os direitos humanos e o estabelecimento de uma justiça de transição; em envolver-se na conceção e concretização de consultas nacionais abertas a todos sobre os mecanismos de justiça de transição; em apoiar o estabelecimento de processos de procura da verdade, de mecanismos de responsabilização e de transparência judicial e de programas de reparação; e em aperfeiçoar a reforma institucional.


Orientar os esforços nacionais e regionais em prol da consolidação da democracia e da defesa do Estado de direito

Dois seminários de peritos, organizados pelo ACDH em 2002 e 2005, destacaram os principais desafios que se põem à democracia, aos direitos humanos e ao Estado de direito, nomeadamente: uma pobreza crescente; ameaças à segurança humana; desrespeito dos direitos individuais e entraves ao exercício das liberdades fundamentais; erosão do Estado de direito no contexto da luta contra o terrorismo; ocupação ilegal acompanhada do uso da força; escalada dos conflitos armados; acesso desigual à justiça por parte dos grupos desfavorecidos; e impunidade.»
In OHCHR (Alto Comissariado para os Direitos Humanos), em Genebra, disponível em <www.ohchr.org.> [Texto adaptado à ortografia do AO 1990]

Ainda assim, no mesmo mundo, no mesmo século ainda há pessoas que arriscam a vida pela conquista (manutenção) de um país livre através do exercício do direito ao voto. Por exemplo:

«Eleições na Indonésia. Quase 300 pessoas morreram a contar votos»

«Quase 300 trabalhadores da organização das eleições indonésias de 17 de abril morreram devido a exaustão e cerca de 2000 ficaram doentes depois de mais de 24 horas a contar votos, disse o porta-voz da Comissão Eleitoral.» In “Jornal de Notícias”

Conselho de Segurança da ONU felicita povo afegão pelas eleições

Os membros do Conselho de Segurança da ONU destacaram, em especial, "a participação e o valor do povo afegão" não obstante a "ameaça e a intimidação por parte dos talibãs e de outros grupos terroristas." In “Visão”

E outros tantos que gostariam de o poder fazer…


1. Bielorrússia:

«A televisão Bielorussa nacional é controlada pelo governo e opiniões discordantes não são permitidas.»


2. Somália:
«A prevalência de grupos armados como a organização Jihadista al Shabaab, e a limitada capacidade do governo em conseguir combatê-los, faz com que as condições dos direitos civis e políticos sejam incrivelmente assustadoras.»


3. Guiné Equatorial:
«O partido no poder tem o controlo quase total dos “media”, dos tribunais, da polícia e do exército. A corrupção é rompante. A censura da imprensa pelo governo está autorizada, o Facebook está bloqueado e a difamação é um delito criminal. O governo autoriza prisões arbitrárias e frequentemente prende os seus oponentes políticos pelo crime de "destabilização."»


4. Sudão do Sul:
«O Presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, tem poder total e não pode ser impugnado, a oposição não tem absolutamente nenhum poder político real. As forças de segurança operam com impunidade e sérios abusos são regularmente praticados contra os civis com o conhecimento total ou ordem dos seus superiores.»


5. Chade:
«Déby tem o controlo total dos ramos judiciais e legislativos do governo e o seu grupo étnico - o Zaghawa - controla o sistema político e económico. O Chade é uma relevante fonte, passagem e destino de tráfico de crianças, um problema que o governo tem feito pouco para resolver.»


6. República Central Africana:
O regime em vigor não é transparente e não foi eleito.


7. Sudão:
«O Sudão é considerado um dos países mais corruptos do mundo. Favorecendo grupos étnicos que tem um controlo apertado sobre a economia nacional, enquanto outros são negligenciados e empobrecidos.»


8. Usbequistão:
«O governo do Usbequistão suprimiu toda a oposição política. Ativistas e jornalistas no país enfrentam violência física, perseguição, multas e detenções arbitrárias. Não existem eleições livres, segundo a “Freedom House”. O discurso livre é severamente restrito ao ponto de os artistas e intérpretes terem que obter uma licença especial do governo para atuarem em público.»


9. Turquemenistão:
«O governo controla quase todas as transmissões e imprensa escrita. O principal fornecedor de internet no país também é gerido pelo governo e rotineiramente bloqueia “sites” que possam ser indesejáveis.»


10. Cuba:
«A contestação política é um crime e o governo de Cuba continua a usar o termo prisão "preventiva" para intimidar a oposição. O canal cubano de notícias é propriedade do governo e também é gerido pelo mesmo.»


11. Arábia Saudita:
«A Arábia Saudita é uma monarquia absoluta com um sistema de leis baseado na lei de “Sharia”. O Corão e a Suna (tradições do profeta Muhammad) são a constituição do país e a contestação política é criminalizada.»


12. Síria:
«Dezenas de milhares de pessoas foram presas e torturadas desde que a revolta começou em 2011, os jornalistas sírios são frequentemente raptados e executados.»


13. Eritreia:
«A liberdade académica e religiosa também está restrita e os cidadãos têm limites à sua liberdade de movimento dentro e fora do país.»


14. China:
«O Partido Comunista Chinês não tolera nenhuma forma de oposição organizada.»


15. Coreia do Norte:
«A Coreia do Norte funciona como um estado de partido único sob uma ditadura familiar totalitária, é o país menos livre do mundo. A corrupção e os subornos estão em todos os níveis do Estado e da economia. O acesso à internet é restrito a uns milhares de pessoas com altos cargos e a liberdade académica não existe: todos os currículos devem ser aprovados pelo Estado.»
Fonte: <https://freedomhouse.org/>


Está na hora de procurarmos novos recordes porque há Valores que não podem perder Valor. Fica o desafio!


“Webgrafia” consultada:
<https://dicionario.priberam.org/absten%C3%A7%C3%A3o> [consultado em 8-10-2019];
<https://sicnoticias.pt/especiais/legislativas-2019/2019-10-04-Ninguem-para-a-abstencao> [consultado em 8-10-2019];
<https://observador.pt/especiais/eca-queiros-ainda-explica-portugal/> [consultado em 10-10-2019];
<https://observador.pt/2015/12/23/sufragistas-25-cartazes-elas-lutaram-nao-mexer/> [consultado em 10-10-2019]; e
<https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/historia-da-democracia/>
«A Compilation of documents and texts adopted and used by various intergovernmental, international, regional and sub-regional organizations aimed at promoting and consolidating democracy» está disponível em <http://www2.ohchr.org/english/law/compilation_democracy/index.htm.
https://pt.ihodl.com/analytics/2015-02-02/os-15-paises-menos-livres-do-mundo/> [consultado em 12-10-2019]

 

12.º AJ (via científica na disciplina de Direito)


 

 

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